quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Não há cura na religião

"Mas não há cura na religião. A cura ocorre quando você encontra Jesus na sua cabana" (KRUGER, 2011, p. 17).


Adorei esta frase do livro "De volta à cabana", mas parece que para a maioria das pessoas é difícil simplesmente retirar a religião, isso porque elas não sabem o que colocar no lugar. Parece que todos estão mesmo sedentos por uma palavra que venha mesmo de Deus.

Referência

KRUGER, C. Baxter. De volta à cabana / C. Baxter Kruger [tradução de André Costa e Sônia Schwarts]; Rio de Janeirod: Sextante, 2011. 240p.; 14x21 cm.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O que eu vou fazer da minha vida?

Bom, não são muitos que têm o luxo de ficar se fazendo esta pergunta porque têm que se preocupar com o que comer primeiro. Então, de certo modo, eles já têm a resposta: sobreviver através do trabalho. Mas, mesmo assim, todos deviam fazê-la. 
Eu, como a maior parte dos brasileiros, não faço parte dos 10% mais ricos, mas mesmo tendo sempre o que comer em casa tenho dificuldade para dar uma resposta conclusiva.
Então, quando me fiz esta pergunta, senti que ela estava além desta primeira fase: esta fase marxista de ter o suficiente para sobreviver para depois poder meditar sobre as demais questões. Eu até queria compartilhar com outras pessoas este meu pensamento do dia, mas todo mundo (como eu) já sacaria do bolso respostas óbvias.
Então, fiquei só comigo mesmo. Não vou dizer "ficamos eu e Deus" porque não seria sincero. Nossa mente capitalista não costuma convidar Deus para este tipo de conversa, porque tememos que logo que perguntássemos "Deus, o que eu vou fazer da minha vida?" Ele respondesse-nos como respondeu àquele jovem rico "vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me" (Mt 19:21) ou, mesmo que isso não seja o plano Dele para a maioria de nós, Ele diga o básico do básico da Sua Palavra "Buscai primeiro o reino dos céus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas!" (Mt 6:33). 
Não é isso que queremos ouvir. Não mesmo. Não sabemos exatamente o que queremos, mas temos um filtro bem eficiente em nossas cabeças. 

Quando nos indagamos "o que eu vou fazer da minha vida?" e tentamos responder, mesmo que indiquemos a posse de várias coisas materiais, viagens e posições de destaque social, ou até mesmo atitudes benevolentes para os mais necessitados (materiais ou psicológicas) em que nós nos sentiríamos atores principais de viradas heróicas; destaca-se que, no fim, não é isso que está em questão.

Na verdade, buscamos encher o "não-sei-o-que" que há em nós (se alguém souber, me avise!). Parece um buraco sem fundo existente em cada ser humano. Respostas simplórias não dão conta da nossa natureza dual: carne e espírito. Freud destacou lugares desconhecidos da mente após tomar consciência da consciência, uma pequeníssima parte da mente. Fazemos coisas para tentarmos nos sentir cheios. Interessante que, quando me tornei funcionário público e comprei o primeiro carro zero, mesmo que sentimentos modestos orquestrassem minhas atitudes, uma parte do cérebro esperava algo novo, algo como uma explosão de uma supernova. Mas, quando minha vó morreu me preocupei muito mais em degustar do cafezinho com queijo e dos sorrisos dos membros da minha casa do que em deixar um busto de herói na praça. Infelizmente percebi que existe uma máxima nas relações materiais: quanto maior a expectativa, maior a frustração.
Deus se propõe a encher esse vazio, mas o "sem Mim nada podeis fazer" (Jo 15:5) não combina com os heróis do cinema norte-americano que chegaram a nossas casas nas últimas décadas do século XX. Queremos ser heróis, super cheios de "alguma coisa" que se irradie para todos os lados, à vista de todos. Queremos estar no centro do universo, não como no humanismo do Renascimento do século XV, mas queremos ser sobre-humanos, mega especiais.
Elementos históricos e culturais construíram o imaginário do homem atual e lhe deixaram uma tarefa impossível: ficar cheio, satisfeito e feliz. Mas, não sejamos tão deterministas. Há pessoas que conseguem transitar às margens da reta cartesiana do capitalismo, valorizando bem as brisas de felicidade, sabendo que aqui nunca irá chover.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

EXCURSÃO PARA SERRO (MG)

Nós, alunos do curso de História da Unibh, fomos a Serro (MG) em uma excursão de visita histórica com o professor Hilton.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

VÍDEO SOBRE A ASMARE E A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA IDENTIDADE PARA OS CATADORES DE PAPEL DE BELO HORIZONTE




Vídeo apresentado na Unibh, na disciplina T.I.G. (2º semestre 2010)
Produção e voz: Mauro Vieira
Lembrança do 1º período de História na Unibh kkkkk

ASMARE E OS CATADORES DE PAPEL


Asmare e os catadores de papel
Construindo uma nova identidade
Autor: Mauro Vieira
Apresentado ao Unibh como requisito parcial à aprovação na disciplina T.I.G.
Como citar esta publicação: 
VIEIRA, Mauro. Asmare e os catadores de papel: construindo uma nova identidade, 2010. Disponível em maurovieiraum.blogspot.com em 08 de Novembro de 2011.



Introdução

Os catadores de papel de Belo Horizonte, junto aos demais elementos da cidade, compõem a paisagem da capital mineira há mais de cinqüenta anos. Ultimamente, a presença desses cidadãos nas ruas tem sido objeto de estudo de vários intelectuais. No entanto, outrora, a presença dos catadores somente era sentida e percebida na medida em que se tornava incômoda ou constituía ameaça à ordem e à segurança urbana.
Como personagens da cena urbana de Belo Horizonte, os catadores situavam-se nas fronteiras entre o trabalho e a mendicância, vistas as condições em que viviam e desenvolviam seus trabalhos. Nesse contexto, em 1990, surge a ASMARE (Associação dos Catadores de Papelão e Material Reaproveitável) e, hoje, constata-se que ela é considerada modelo nacional do movimento de exclusão-inclusão social devido aos feitos junto aos catadores de papel de Belo Horizonte. Tanto como política social, quanto como um empreendimento de sustentabilidade, procura-se, neste trabalho, uma constatação acerca da teoria e prática do empreendimento da ASMARE.
Belo Horizonte, então, é o local sobre o qual analisaremos a construção de uma nova identidade para os catadores de papel na linha do tempo. As mudanças na cidade, inclusive quanto às posturas adotadas pelo poder público, as atitudes dos trabalhadores e o papel desempenhado pela ASMARE compõem, assim, o objeto de estudo deste trabalho.
Examina-se a questão urbana para a compreensão e o possível domínio de alguns dos problemas cruciais relativos às práticas e à vivência dos grupos sociais que, no meio urbano, empreendem seus movimentos de resistência e luta pela sobrevivência, como é o caso dos catadores de papel.
O esforço empreendido na transformação de excluídos em sujeitos sociais, num processo reconhecedor do potencial de geração de trabalho e de renda presentes nessa atividade, fortalece a discussão do que seria a sustentabilidade e a parcela de contribuição que foi agregada pelos catadores de papel a esta idéia. Entende-se, no entanto, que não houve conscientização generalizada por parte da sociedade na percepção da importância desse trabalho para a limpeza da cidade e para a sustentabilidade. Busca-se, nesta questão, compreender o preconceito incidente sobre os catadores através da sociedade, e a construção de um novo conceito realizada por esses sujeitos sociais.


1. Belo Horizonte e os novos belorizontinos

A capital mineira foi projetada por Aarão Reis e foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897. O projeto era inovador e inspirado, principalmente, em Paris e Washington. Como aconteceu em Paris, para a viabilização da nova cidade, o Arraial do Curral Del Rei teve que ser demolido, restando, fora da área central, pouquíssimas construções. A novidade e o caráter exótico atraíam as pessoas que chegavam à cidade em busca de uma nova vida. A promessa de uma cidade moderna e organizada não contemplava, porém, os problemas do porvir. No projeto, estavam incluídos locais para o poder, Igreja, lazer, trabalho, habitação dos “poderosos” e dos funcionários públicos. Os pobres e trabalhadores, entre eles os operários que construíram a cidade, não estavam incluídos no espaço central. O crescimento da cidade seria do centro à periferia, garantindo, assim, a exclusão dos pobres do centro urbano. Portanto, o conceito “percebido no ar” hoje em dia sobre os pobres é, de fato, um pré-conceito, pois já fora “construído” antes da fundação da cidade.
Belo Horizonte, assim, é uma cidade. Ou seja, apesar de soar óbvio, é importante esquivar-se de idealismos e perceber que se encontra nesta cidade, também,

profundas ironias e contradições (...) da cidade moderna, pois nela se manifestam as divisões de classes e a miséria, tão contrastantes como a luz e a obscuridade, a alegria e a tristeza, a abundância e a destituição, a riqueza e a pobreza. (FREITAS, 2005, p. 57).

Esses elementos já existiam nas outras cidades, onde os pobres migrados de todas as partes moravam nas ruas convivendo com o desemprego e com a miséria. Por conseguinte, o problema de Belo Horizonte, claro, não é novo no mundo e nos remete à situação das cidades européias no período pós-revolução industrial “em razão da concentração de uma multidão de pobres que, ‘de forma crescente e, por vezes desordenada, ocupava os espaços privados e públicos.’” (FREITAS, 2005, p.56).
Consciente da repetição desses fatos nas grandes cidades, Belo Horizonte foi projetada e construída com o intuito de evitar que esse quadro caótico se repetisse na futura capital mineira. Entretanto, a frustração deste projeto é contemplada nas ruas e na vida dos que vieram do interior de Minas, e de outros estados brasileiros, em busca de qualidade de vida, como se pode perceber na declaração de Dona Geralda, uma das mais importantes entre os fundadores da ASMARE:

Eu sou de Belo Horizonte, mas minha mãe é do Serro. Minha mãe veio pra cá conseguir uma vida melhor. Só que chegou aqui, minha mãe também veio catar papel. (...) Ela me ganhou aqui. (...) Ela veio pra cá conseguir trabalho e veio catar papel. Foi assim: eles vieram pra cá, porque minha mãe tava muito doente. Ia chegar aqui e meu pai arrumar um emprego pra conseguir fazer o tratamento de minha mãe. Só que chegou aqui, minha mãe melhorou e meu pai morreu. Mas já tinha um sonho de cidade grande, né? Que aqui ia conseguir tudo: emprego bom, lugar de viver. (FREITAS, 2005, p. 59-60)

Assim, a “cidade-palco” desta análise é um ambiente contraditório: planejamento, modernidade e riqueza dividem espaço com exclusão social, preconceito e pobreza. Dona Geralda explicita a inviabilização da cidadania na capital mineira, no início da segunda metade do séc. XX:

P’ra mim, cidadão é aquele que tem moradia, emprego, né, e trabalho... porque sem trabalho cê num é cidadão, sem moradia cê num é cidadão (...) cê vai ficar na rua, cê perde a cidadania! A minha mãe perdeu a cidadania aqui em Belo Horizonte quando ela veio da roça com o sonho de cidade grande. Pelo menos na roça, ela morava numa tarimba de barro, mas tinha casa p’ra morar e era cidadã no cabo da enxada. Quando ela veio p’ra qui ela perdeu a cidadania: ela veio p’ra rua, ninguém olhou p’ra ela, ela foi pedir esmola, foi espancada de polícia...1


2. Os catadores e o doloroso processo de exclusão

Por volta de 1945, a indústria oferecia bastante trabalho, e a cidade recebeu milhares de pessoas advindas do interior de Minas e de outros estados. Mas, o mercado não foi capaz de absorver toda aquela massa, e a cidade não criara estrutura para receber tamanha demanda. Por causa do êxodo rural descontrolado, as pessoas chegavam à capital sem ter onde morar, morando “de favor” ou vivendo nas ruas até a chegada de uma boa oportunidade de trabalho e moradia.
Essa massa de trabalhadores sem emprego dividia os espaços públicos com um “grupo” que já existia em todas as metrópoles: os vândalos, bêbados, bandidos e pessoas de má fé. Como diferenciá-los ao passar por eles nas ruas? Visualmente, os dois grupos não conseguiam se vestir e cuidar da higiene, assim sendo, podia-se facilmente confundi-los. Conforme um velho ditado, “a primeira impressão é a que fica”, os cidadãos já bem estabilizados em Belo Horizonte lançavam seus olhares sobre esses trabalhadores e desde já lhes imputavam julgamento.
A capital mineira tinha, então, um novo grupo de pobres e miseráveis: trabalhadores desempregados com carteira de trabalho na mão. Desse grupo, além de crianças, surgem os catadores de papel, como destaca Freitas:

O mapa da pobreza no Brasil depois de quarenta anos ou mais de industrialização e modernização encontra-se bastante diferenciado. Basta olhar os novos personagens que percorrem as ruas nos grandes centros urbanos do País. Entre os miseráveis que circulam pelas ruas ‘compondo a paisagem urbana, além dos tradicionais e conhecidos habitantes dos centros urbanos – os mendigos, bêbados, inválidos, malucos e deficientes mentais – hoje vieram a se somar os desempregados, aposentados e também trabalhadores de carteira no bolso’, gente que perdeu o emprego e busca alternativa de sobrevivência na informalidade desqualificada. É o caso dos catadores de recicláveis, uma gente que ‘batalha diariamente’. (2005, p.19)

Aos indivíduos que trabalham com o lixo sempre foi imputada uma imagem social extremamente negativa, por uma visão de que seriam a “sujeira” da cidade. Eles foram desvalorizados pela sociedade, confundidos com vândalos e nem eram citados nos meios científicos/acadêmicos. No entanto, é necessário diferenciar os catadores dos vândalos, pois os catadores projetam a busca por respeito e por um futuro melhor na coleta dos materiais reaproveitáveis, ou seja, pelo trabalho que desenvolvem. Mas, mesmo que várias empresas se beneficiassem de suas atividades, a sociedade via a tarefa dos catadores como “trabalho”?
Segundo Marx (1976, apud QUINTANEIRO, 2002, p. 24), quem não trabalha está alheio à sociedade por estar fora dos meios de produção. A reciclagem, como conhecida hoje, é um conceito novo ligado à idéia de diminuição da poluição, à consciência dos fins dos recursos naturais e ao aproveitamento do que já fora produzido. Esses pensamentos não existiam nos séculos anteriores e, para o homem, os recursos naturais estariam sempre disponíveis. Até a idéia de “lixo” tinha uma concepção diferente da existente hoje: não existia a idéia de reaproveitamento e reciclagem, portanto as poucas exceções referiam-se a elementos perecíveis, como restos de alimentos jogados aos animais. Ou seja, o conceito de “trabalho” estava ligado ao que era produzido, não ao que era reaproveitado do que já fora produzido. O Estado não reconhecia esse ofício como integrante dos meios de produção, assim como ainda hoje não reconhece vários outros ofícios.
Assim, na sociedade, os catadores de papel não eram equiparados às classes trabalhadora s e, conseqüentemente, ideologicamente, não eram vistos como trabalhadores. Controversamente ao papel que desenvolviam, eram equiparados aos vadios e recebiam da sociedade o mesmo quinhão. Ainda, segundo Durkheim (1974), na teoria do Funcionalismo, os elementos da sociedade existem porque exercem uma função na sociedade. Os elementos que não exercem função na sociedade, não são considerados membros da sociedade. Diante da ausência do pensamento existente hoje de que o reaproveitamento cumpre uma função social, a idéia que permeava o consciente das pessoas ao depararem-se com um homem ou uma mulher “abrindo” lixos de uma cesta na rua era esta: ele não está trabalhando, só está procurando algo para vender e ganhar dinheiro fácil. Atualmente, Dona Geralda nos expõe um novo significado para “lixo”: “O lixo não existe. Eu acho que o lixo só tá na nossa cabeça, né, porque o lixo só é lixo quando cê mistura ele, quando cê faz uma separação adequada no lixo e dá o destino correto, ele não é lixo, é trabalho e renda”.2
Mesmo trabalhando diariamente e sendo vítimas do preconceito, outro fator negativo que incidia sobre os catadores de papel era a grande disponibilidade de mão-de-obra que, como contra golpe, reduzia ainda mais a percepção pecuniária do trabalho. A desvalorização da função somava-se à desvalorização do trabalho realizado. Diante desse quadro, cotidianamente, assistia-se nas ruas a transformação da busca por um sonho na cidade grande em um pesadelo, a conquista de renda e trabalho digno em uma luta por sobrevivência. Assim, as expectativas trazidas pelos homens e mulheres para a capital mineira foram reduzidas à conquista do pão-de-cada-dia, como se pode averiguar no depoimento de Maurício, associado da ASMARE: “agente trabalhava para comer o pão do dia”.3
Quem se preocuparia com questões políticas da época, como a mudança da capital brasileira do Rio de Janeiro para a nova Brasília, frente a si mesmo e aos filhos quase morrendo de fome? Trabalhar para comer, segundo Marx (1975, apud QUINTANEIRO, 2002, p. 50-51), transforma os homens em alienados aos movimentos da sociedade e equipara-os aos animais. Quem se preocuparia com o fim da segunda guerra mundial frente à chuva e aos filhos sem um teto? Muitas vilas surgiram e invasões de terrenos particulares e públicos ocorreram nesse período como reflexo da busca desesperada por um teto.
Como produto do processo de exclusão, o catador de papel “respira” uma realidade construída por elementos que extrapolam os trabalhos realizados por ele. A presença desses elementos, como as ideologias, é apontada por Freitas:

Um dos atributos mais evidentes dessa desvalorização é a acusação sob a qual vivem esses trabalhadores. Estigmatizados de vagabundos, esses indivíduos carregam, além do pesado fardo da privação dos meios básicos de sobrevivência, o peso de uma ideologia que explica a sua inferioridade em relação aos bem sucedidos da sociedade. (2005, p. 22)

A seguir, investiga-se a relação desses elementos com a força de trabalho dos catadores.


3. O valor do trabalho sob a ótica da superestrutura

A diferença entre um prefeito, um médico e um catador de papel pode começar a ser entendida através de um estudo da ótica da sociedade, em determinado período. Dentro do estudo dessa ótica, averiguando-se as heranças ideológicas existentes, pode-se apontar elementos reais e ideológicos que sustentam a relação entre as classes supracitadas.
Iniciando-se este estudo, a partir dos parâmetros de Marx (1976), verifica-se que o conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção de uma sociedade forma sua infraestrutura que, por sua vez, é o fundamento sobre o qual se constituem as instituições políticas e sociais.

A estrutura social e o Estado resultam constantemente do processo vital de indivíduos determinados; mas não resultam daquilo que esses indivíduos aparentam perante si mesmos ou perante outros e sim daquilo que são na realidade, isto é, tal como trabalham e produzem materialmente. (MARX, 1976, apud QUINTANEIRO, 2002, p. 36)

Segundo a concepção materialista da história, na produção da vida os homens geram também outra espécie de produtos que não têm forma material: as ideologias políticas, concepções religiosas, códigos morais e estéticos, sistemas legais, de ensino, de comunicação, o conhecimento filosófico e científico, representações coletivas de sentimentos, ilusões, modos de pensar e concepções de vida diversos e plasmados de um modo peculiar. A classe inteira os cria e os plasma derivando-os de suas bases materiais e das relações sociais correspondentes. Esta é a superestrutura ou supra-estrutura. (QUINTANEIRO, 2002, p. 36)

O trabalho que é, de fato, realizado constrói a infraestrutura. As ideologias, crenças, leis e consciências são construídas sobre esta infraestrutura. A busca pelo domínio sobre os meios de produção resultaram em várias ideologias no decorrer dos séculos. Existiram e existem pessoas pensando a sociedade. Cientes dos valores e dos movimentos que condicionam as pessoas, vários homens e instituições manipularam valores e ideologias a fim de colherem fatos e produtos diversos na história. O poder divino dos reis legitimado pela igreja católica na Idade Média, as ideologias criadas na formação dos estados nacionais e as teorias protestantes em volta da economia são exemplos históricos de tais manipulações.
Como já fora apontado anteriormente neste trabalho, a atividade dos catadores de papel não era vista como trabalho porque não “fazia” parte dos meios de produção. Ou seja, o conjunto das ideologias presentes na superestrutura não legitimava o trabalho dos catadores de papel frente ao olhar dos demais civis. Porém, essa visão era única? Não. Além dos próprios catadores que “enxergavam” suas atividades como trabalho (apesar de, concorrentemente, pintarem seu auto-retrato sob a ótica da sociedade), também existia um grupo que se beneficiava tanto do trabalho quanto da visão vigente a fim de “baratear” o serviço através da desvalorização do trabalhador.
A inutilidade, aparente, à vista do poder público e da maioria da sociedade “condenou” o trabalho e o trabalhador catador de papel à marginalidade. O reflexo desta “condenação” é, além do status de marginal, a retribuição pecuniária miserável. Por conseguinte, essa baixíssima retribuição resulta na baixa manutenção dos meios de sobrevivência que, por sua vez, reflete um perfil que o assemelha aos marginais resultando, assim, num menor acesso a melhores empregos... é um ciclo de fatos reais condicionado por ideologias.
Tal é o poder dos elementos da superestrutura sobre as relações de trabalho e o seu valor:

A divisão social do trabalho expressa modos de segmentação da sociedade, ou seja, desigualdades sociais mais abrangentes do que a decorrente da separação entre trabalho manual e intelectual (...). A partir dessas grandes divisões, ocorreram historicamente outras como, por exemplo, entre os grupos que assumiram as ocupações religiosas, políticas, administrativas, de controle e repressão, financeiras etc. A cada um desses grupos cabem tanto tarefas distintas quanto porções maiores ou menores do produto social, já que eles ocupam posições desiguais relativamente ao controle e propriedade dos meios de produção. Assim, o tipo de divisão social do trabalho corresponde à estrutura de classes da sociedade. (QUINTANEIRO, 2002, p. 35)

Segundo Freitas, nas cidades, “uma das razões que torna mais explícita a heterogeneidade dos indivíduos é a distribuição desigual de riquezas, dos espaços urbanos e do acesso às vantagens da modernidade urbana” (2005, p.51). Dentro dessa atmosfera, a aplicação ativa de dignidade e cidadania na vida dos catadores de papel, como trabalhadores e cidadãos comuns, fora comprometida. Eles foram excluídos da vida social e da tomada de decisões, encontrando-se, naquele tempo, marginalizados. Concorrente a essa realidade, médicos e políticos gozavam de uma maior “fatia” do produto social, além de um status inalcançável para os catadores de papel.


4. O catador de papel e o "gari"

Analisando-se “as realidades concretas onde essas experiências são vividas” (FREITAS, 2005, p. 17), observa-se que há diferenças entre os olhares oriundos da sociedade sobre estas duas personagens vítimas do preconceito, em Belo Horizonte: o catador de papel e o “gari”.
Imaginando-se uma cena, hoje comum nos centros urbanos e nos bairros: um grupo de varredores de rua, os “garis”, devidamente uniformizados, explicitando o escudo e o nome da prefeitura, apresentando cabelos e dentes mal cuidados, usando vassouras fabricadas manualmente a partir de um cabo de madeira e folhas secas, além de pás e carrinhos adaptados com grandes baldes... varrem a rua e sentam-se, logo após, para descansar. Logo à frente, um catador “de lixo”, vestido com roupas simples (e até rasgadas), apresentado cabelos e dentes mal cuidados, usando sacos e um carrinho de mão, aproxima-se da cesta de lixo de uma residência e abre as sacolas e caixas de lixo procurando materiais para revender a uma empresa...
Apesar de serem árduos e insalubres os trabalhos executados pelo grupo de “garis” e pelo catador, hipoteticamente, um morador do bairro, trabalhador da indústria ou do comércio, vê-os de formas diferentes. Deparando-se com um “gari”, ele está frente a um sujeito de “baixo nível social”, que executa um trabalho árduo sob o sol e uma função de baixíssimo status social (pode-se indicar como uma das raízes desse pensamento a construção da idéia sobre a diferença entre trabalho manual e intelectual). O morador não desejaria, de forma alguma, que seus filhos trabalhassem como “garis”. Porém, o morador vê o “gari” como um trabalhador e como um funcionário público. A leitura visual que ele faz já lhe indica que o “gari” desempenha uma função importante e essencial na sociedade (limpeza das ruas), que essa função é reconhecida pelo Estado e que o “gari” percebe todas as garantias pertinentes aos servidores públicos. Portanto, é um trabalhador que, como um trabalhador da indústria ou do comércio, cumpre tarefas para perceber renda para o sustento da família.
Deparando-se com o catador, o morador não sabe de onde ele veio e nem o destino do material recolhido. Ao abrir o lixo das sacolas, o morador já teme atos irresponsáveis como o abandono de sujeira à sua porta, confundindo essa atividade com resultados do vandalismo. O impacto visual impressiona e a seleção e recolhimento de materiais recicláveis não é, necessariamente, um serviço de limpeza urbana. Portanto, não é visto como uma função na sociedade. Além do mais, caso o catador executasse quaisquer atos irresponsáveis no exercício da sua “função”, o morador percebe a dificuldade de viabilizar um processo legal contra alguém que, talvez, nem tenha documentos e detenha origem e caráter desconhecidos. Quanto ao “gari”, a prefeitura é responsabilizada pelos resultados dos atos de seus servidores quando esses estão no devido exercício de suas funções, movendo ações regressivas contra eles e o devido ressarcimento à parte prejudicada. O respeito ao “gari” também é garantido pela lei, enquanto servidores públicos, visto que o desacato a servidores públicos no exercício de suas funções constitui crime.4
O “gari” já fora registrado e reconhecido pelo Estado, diferente do catador que desempenha sua função com autonomia. Quando Freitas refere-se à atividade dos catadores como informal e desqualificada, percebe-se que a idéia de inclusão também está ligada à aceitação destes pelo Estado, reforçando ainda mais essa idéia quando os catadores empenham-se “na luta coletiva por reconhecimento, direitos e cidadania” (2005, p. 15). A busca por legitimação por parte do Estado é tão importante no séc. XX e XXI que sua aprovação superou o valor da aprovação religiosa, mesmo que esta ainda mantenha forte influência sobre a sociedade. Por isso,

o conflito na relação com o poder público serviu de impulso para um novo posicionamento da categoria na luta coletiva, procurando legitimar o direito de trabalhar em condições de dignidade, definindo-se enquanto trabalhadores autônomos” (FREITAS, 2005, p.17).

Ou seja, foi necessário ao catador alinhar-se a um novo perfil a fim de responder às exigências do Estado para, então, requerer dele o reconhecimento como parte de “seu corpo”.
O reconhecimento do Estado reflete não somente na visão da sociedade sobre o catador, mas, também, na percepção de direitos. O “gari” recebe, pelo menos, um salário mínimo garantido por lei, tem direito a férias, 13º salário, licença maternidade/paternidade, aposentadoria (pois contribuem com a previdência) e/ou outros benefícios. No entanto, o catador não goza desses direitos e, hoje, somente poderá gozar de aposentadoria se, porventura, contribuir com a previdência social. Esse conjunto reflete na “pintura do retrato” que é feito pela sociedade, aliviando ou não a idéia que os catadores fazem de si mesmos. Percebe-se neste caso, conforme o que fora visto anteriormente, que elementos da superestrutura (o Estado, as leis, as classes sociais e seus status, dentre outros) interferem na interpretação dos trabalhos realizados e, conseqüentemente, sobre o que cada executor de tarefas recebe da sociedade.


5. A pastoral de rua

A pastoral de rua é um grupo incentivador da construção da cidadania do povo de rua, orientando-os no sentido de conquistarem sua inclusão social e se descobrirem como seres humanos com direitos e deveres que tragam consigo identidade e busca por melhores condições de vida.

A Pastoral de Rua é uma equipe de leigos e religiosos, sensibilizados com o sofrimento das pessoas que moram nas ruas ou delas sobrevivem. A Pastoral se coloca ao lado dessas pessoas e "escuta" seus clamores. Seu principal objetivo é abordar aqueles que vivem nas ruas, conviver com eles de forma fraterna e solidária, criando laços de amizade. São pessoas que, em sua maioria, vieram de cidades do interior ou de outros estados. Fazem das ruas e praças da cidade suas moradias. Desempregados, buscam alternativas de sobrevivência. Na capital, acabam perdendo suas referências: não têm como se comunicar com a família, não possuem endereço fixo, não conseguem emprego e documentos, não têm onde guardar seus pertences perdem a identidade e o próprio nome. (www.arquidiocesebh.org.br, acesso em 07/11/2010)


O trabalho da pastoral de rua foi essencial para que se chegasse ao reconhecimento dos catadores de papel como gente que quer mudança e que não apenas deseja sobreviver, que deseja trabalho digno e reconhecimento de sua importância, pois até então quem passava por eles olhava-os com desprezo e indiferença, pois estavam à mercê da mendicância.
Os agentes da Pastoral atuam animando e estimulando a organização do povo, resgatando a beleza da vida e denunciando os mecanismos de morte, buscando acolher o clamor do povo excluído como sinal visível do Reino, firmando o compromisso em defesa da vida... (www.arquidiocesebh.org.br acesso em 07/11/2010)

A hegemonia das ideologias advindas da Igreja Católica marcou a Idade Média. Apesar do deslocamento dessa hegemonia para o Estado, após a formação dos Estados Nacionais, a Igreja ainda exerce forte influência sobre a sociedade e permanece entres os “grandes” elementos da superestrutura. É difícil calcular o poder que os homens representantes da Igreja exercem sobre os indivíduos, o que nos remeteria a quase toda história da humanidade, porém este evento não faz parte do objeto deste estudo.
Destaca-se, então, a chegada da Pastoral de rua dizendo que os catadores de papel são cidadãos, que têm direitos, que fazem parte da nação e devem ser assistidos pelo Estado, que são filhos de Deus e são amados pela Igreja, que são trabalhadores e são tão dignos quanto aos demais trabalhadores... tudo isso gerou um forte impacto sobre os catadores, pois um outro grupo diferente de sua classe social e representante de um forte elemento da superestrutura trouxe um novo significado para os catadores de papel, legitimando seu “trabalho” frente à sociedade. Um elemento da superestrutura construiu, assim, um significado paralelo sobre um elemento da infraestrutura. Segundo Maurício, o maior parceiro para os catadores de papel “foi a Pastoral de rua. Eles que começaram com a gente, eles que deu o primeiro passo, então, pra mim, eles é o mais importante”.5
Em um segundo momento e aparentemente puntual, a atuação da pastoral representando os catadores criou um forte impacto social como, por exemplo, na mediação dos convênios entre os catadores e empresas ou órgãos públicos. Ou seja, a Igreja tem uma forte “voz” na sociedade e a Pastoral de rua “diz” que os catadores de papel são trabalhadores e que suas atividades são “trabalho”. Esse novo discurso consciente trouxe a esperança e uma visão de mundo para os catadores na sua vida difícil: “Até que enfim eu achei uma pessoa que... fizesse um tiquinho de caso de mim.” (DONA ANA apud FREITAS, 2005, p. 37).
A jovem Pastoral de rua, com apenas três anos de fundação, já realizara grandes feitos e sua atuação conscientizadora e representativa, junto aos catadores de papel, resultaria na criação de uma representação jurídica: a fundação da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte – ASMARE.


6. A criação e a fundação da Asmare

Após o advento da Revolução Industrial, um dos efeitos observados por Karl Marx (1975, apud QUINTANEIRO, 2002, p. 51) sobre a sociedade foi a alienação do homem. Esta ocorria quando o trabalhador estava alheio ao processo de produção, ignorante do todo. Dentro da indústria, o trabalhador não era dono dos meios de produção, não participava de todas as fases do processo, devido à divisão de tarefas, e não tinha ciência de todo processo. Por conseguinte, de modo geral, não conhecia a origem da matéria-prima a ser trabalhada por ele, nem dos produtos que lhe seriam anexados e nem do destino do conjunto produzido. Diante disso, o trabalhador oferecia sua mão-de-obra em troca do valor pago pelo dono do meio de produção e não tinha ciência do valor do produto social que produzira. Todos esses fatores possibilitaram grandes explorações pelos detentores dos meios de produção sobre os trabalhadores alheios aos valores acumulados no processo.
Construindo-se uma analogia e aplicando-se a idéia de “alienação” de Marx, aponta-se a exploração da mão-de-obra dos catadores de lixo, pelas empresas públicas e privadas de reciclagem e reaproveitamento, e a alienação desses sobre os valores presentes no processo de produção. O catador não era dono desse meio específico de produção e vários elementos da superestrutura (como as leis, políticas e os conceitos construídos) impediam essa possibilidade. No entanto, esses mesmos elementos legitimavam a posse dos meios de produção aos intermediários. Ou seja, os donos dos meios de produção (fossem empresas públicas ou particulares) não eram quem realizava os trabalhos, porém recebiam o material separado e o comercializavam. Dessa forma, a exploração dos trabalhadores era viabilizada por conceitos que, em sua maioria, eram legitimados por leis.
A manifestação da consciência do processo de produção e, conseqüentemente, da ruptura com a alienação culminou na fundação de uma associação, de caráter jurídico, entre os catadores de papel, em 1º de Maio de 1990. Legitimados pela Igreja, assessorados juridicamente, conscientes do poder das ideologias e das leis, este grupo de quarenta pessoas assumiu a posição de donos do meio de produção referente a algumas das várias fases do processo de reciclagem e reaproveitamento que eram desempenhadas por várias empresas, de diversos ramos. Todos esses aspectos podem ser apreciados no funcionamento da ASMARE.
Atualmente, a associação está presente em vários endereços: avenida do Contorno nº 10.555 e rua Ituiutaba nº 460 (coleta, separação, prensagem e comercialização dos materiais), avenida do Contorno nº 10.564 (oficina de artesanato e reaproveitamento), rua da Bahia nº 2.164 (Reciclo Espaço Cultural) e na Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos de Belo Horizonte, localizada na BR 040 (Eco-bloco). No entanto, inicialmente, mesmo sem um galpão apropriado, os associados da ASMARE já interferiam no processo de limpeza urbana interceptando os materiais que estavam destinados aos aterros sanitários. Somente em 1992, a prefeitura de Belo Horizonte construiu um galpão para a ASMARE na avenida do Contorno, nº 10.555. Nesse local, foi possível receber o material coletado pelos catadores, separá-lo, prensá-lo e comercializá-lo. Assim, o catador ampliou sua atuação dentro do processo, eliminou intermediários (que somente prensavam e comercializavam) e pôde receber uma maior “fatia” do produto social.
Os associados têm compromisso com o local de trabalho e, também, têm autonomia. Eles gozam de um local coberto e projetado especificamente para o desempenho de suas funções, além de receberem proporcionalmente ao que produzem. Somente existe cota mínima de produção a ser atingida como requisito para o recebimento gratuito do auxílio vale-transporte. Segundo Índio, associado que trabalha na administração, “vários catadores já não precisam catar na rua, eles saem daqui pra ir pros pontos das empresas buscar o material”.6 Assim, os atuais 286 associados percebem renda mínima suficiente para o sustendo básico de suas famílias. Mais catadores não são aceitos como associados na ASMARE devido ao já máximo aproveitamento do local, sendo assim, um novo catador somente poderia associar-se se um já associado sair. A razão exposta pela administração consiste em que “tem que ter um lugar mais digno p’ra proteger do sol e da chuva (...) o lugar é pequeno e eu não posso deixar ele (o catador) no tempo”.7
Os idosos associados, que não conseguem mais coletar materiais com o uso do carrinho, têm trabalho garantido na unidade localizada à rua Ituiutaba nº 460. Nesse local, não se realizam coletas. A prefeitura de Belo Horizonte disponibiliza funcionários e caminhões que transportam o material já separado, através da coleta seletiva programada que é disponibilizada por bancos, empresas, condomínios e doadores em geral. Esse material é recebido, melhor separado e prensado pelo grupo e, logo após, comercializado pela ASMARE. Segundo Dona Geralda, a foi a maior conquista dos associados “foi a gente conseguir o nosso próprio trabalho e renda. Antigamente, a gente vivia na rua, fugindo de fiscal e de polícia, né?! Sem local p’ra trabalhar... hoje, a gente tem local p’ra trabalhar”.8
Todo o desenvolvimento contou com o apoio de vários seguimentos, como destacou Dona Geralda quando fora questionada sobre qual seria o principal parceiro da ASMARE: “É a prefeitura e as empresas doadoras, os condomínios... então, é a população em geral porque todo mundo doa material p’ra a ASMARE, né!”.9 Já Índio10 destacou o convênio com o Banco do Brasil que disponibiliza todo material usado, e que pode ser reciclado, para a ASMARE. No entanto, ao longo do processo de construção de uma nova identidade, destaca-se o papel desempenhado pelos próprios catadores e pela Pastoral de Rua: “Se não fosse isso, se a gente não se unisse, se não chegasse ninguém pra escutar nós, nós não existia mais. Nós já tinha morrido de fome aí pela rua, já tinha virado... não existia mais.” (DONA GERALDA apud FREITAS, 2005, p. 35)
O relacionamento entre os catadores de papel e a sociedade, principalmente entre a prefeitura e as empresas privadas, apresenta mudanças visíveis e relevantes. Hoje, a ASMARE dispõe de vários convênios que viabilizam e garantem o trabalho dos catadores de papel. Seu trabalho social e ambiental progressivamente adquire mais reconhecimento, repercutindo nacionalmente e incentivando a organização de mais catadores como, por exemplo, o Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR).


Conclusão: a construção de uma nova identidade

No decorrer deste trabalho, foram apontados vários elementos ideológicos e imaginários que permeiam as relações sociais e que, segundo Marx (Apud QUINTANEIRO; OLIVEIRA, 2003, p.), também fazem parte da produção humana. A permanência de concepções antigas nas cidades modernas é explicada pela História nos conceitos de história de curta duração, história de longa duração e a sobreposição destas. Na psicologia, segundo a teoria de funcionamento da mente Inteligência Multifocal de Augusto Cury (CURY, 2000), pode-se concluir que é impossível “amputar” uma idéia que um indivíduo faz de determinada situação e, logo após, substituí-la por outra. Mesmo no tratamento de pessoas que sofrem traumas ou culpas, as idéias que os pacientes têm dos fatos ocorridos não podem ser extirpadas porque elas são concebidas envolvidas por uma carga emocional, construindo valores na memória.
No tratamento, então, como metodologia, cria-se uma nova interpretação dos fatos ocorridos paralelamente à interpretação existente, a fim de diminuir a carga emocional gasta na, antes, única visão dos fatos (CURY, 2010, p. 134-140). Ou seja, cria-se uma ou mais idéias paralelas à antiga e divide-se a carga emocional. Assim, o paciente começa a assimilar outras idéias e constrói novos valores, gerando opções para escolhas conscientes.
A Pastoral de rua trouxe ao catador de papel uma nova idéia sobre eles mesmos e sobre a sociedade. Apesar de todo o aparato legal existente, essa idéia chocava-se com a realidade vivida pelos catadores. No entanto, a Pastoral não somente “injetava” uma nova idéia, mas viabilizava sua concretização. A assistência e as pequenas conquistas, tendo como suporte ideológico essa nova idéia, dividiam, então, o espaço com o pensamento vigente. A assimilação gradual é uma realidade. A nova visão construída pelo catador de papel chocava-se com a dos olhos dos demais cidadãos e, também, com a dele mesmo.
As idéias eram, então, concorrentes. As novas atitudes dos catadores de papel eram visíveis na sociedade, porém o “estigma de marginal” estava presente (FREITAS, 2005, p. 17). “O foco da luta dos catadores de papel da ASMARE é o reconhecimento do trabalho autônomo” (FREITAS, 2005, p. 16) desenvolvido por eles. Nesse sentido, a ruptura com a alienação através da conscientização dos meios de produção e do funcionamento da sociedade levou-os a posicionarem-se frente ao poder público. Essa conscientização elucidou o processo em que estavam envolvidos e os fez perceber que, mesmo que seja notável e imprescindível o papel do catador de lixo no processo de reciclagem, existe a exploração capitalista que usa suas ferramentas para conseguir mão de obra barata: as acusações morais e a desclassificação social camuflam essa exploração. Vale destacar esta ascensão da consciência dos catadores na percepção dos movimentos da sociedade e na identificação dos momentos propícios para atitudes: a concepção das pessoas “mudou por causa do meio ambiente. Hoje, a gente tem um planeta aí todo estragado e se não se cuidar dele, vai estragar muito mais. Porque, no mundo agora, tem uma consciência ambiental que não tinha antigamente. Por isso que muda”.11
A manutenção dos status sociais vem sofrendo mudanças através dos novos parâmetros advindos das relações econômicas desde a ascensão da burguesia, haja vista que a percepção de maior renda por parte dos que não eram nobres, dentre outros fatores, construiu novos valores que culminaram na Revolução Francesa. A hegemonia do Estado e a relevância da percepção de maior capital podem ser verificadas na obra de Freitas através da mudança de conceitos:

Não é, portanto, propriedade da sociedade moderna, mas um produto que vem se modificando ao longo do processo histórico. Se a noção de pobreza, no período medieval possuía significado místico e se associava ao despojamento, nos tempos mais próximos de nós ela é substituída pela noção de pobreza como falta. (2005, p. 18).

Assim, a percepção de uma melhor renda tornou-se uma via de ascensão na visão social.
Hoje, na sociedade, mesmo que pessoas (trabalhadores do mercado informal) percebam renda superior à percebida por funcionários públicos ou profissionais formados em curso superior, aquelas pessoas não conquistaram ainda o respeito ou o status social gozado por estes. É uma realidade nova, comum na atualidade e facilmente visualizada quando se observa, por exemplo, um vendedor de cachorro quente “da esquina” e um advogado frente a uma empresa, afoito por uma causa. Novas atividades na economia são vítimas de velhos conceitos que permanecem, até hoje, na sociedade, mesmo que estas sejam mais rentáveis. Porém, ao garantirem qualidade de vida para si, esses parâmetros vão se “esvaziando”.
É importante destacar que essa busca por reconhecimento acontece em outras categorias. Vista a criação de melhores acessos à formação superior e a disponibilização de mão-de-obra, instituições lutam pela não-banalização do curso superior e as categorias, como os professores e contadores, lutam por melhores salários como reflexo do reconhecimento de seus trabalhos na sociedade. Desse modo, é importante conscientizar-se de que a busca por valorização de quaisquer categorias gera a desvalorização de outras, ou seja, trata-se de um ciclo e as diferenças não terminam.
Vários problemas são enfrentados diariamente pelos catadores de papel. A reciclagem é valorizada, junto à ecologia, mas o catador, não. Soma-se isso à desvalorização do trabalho autônomo. Na obra de Freitas, a observação de que o Estado brasileiro construiu uma “tradição tutelar” (2005, p. 18) pelos tempos, através de uma postura benevolente e assistencialista, é destacada a fim de justificar a dependência que os cidadãos têm do Estado. Nesse sentido, ela explicita a exaltação dos que dependem e seguem o Estado em detrimento dos que agem com autonomia. Porém, mesmo não sendo funcionários do Estado, ao invés de oferecerem clandestinamente sua força de trabalho, os catadores de papel tornaram-se personagens (juridicamente) participantes do processo de reciclagem, conseqüentemente, percebem o deslocamento do capital antes usufruído somente pelas empresas.
A consciência da existência dos problemas e suas causas é essencial na busca por soluções. Mais conscientes da realidade, como a situação vista na comparação entre o catador de papel e o “gari”, os catadores associados tomaram medidas para construir publicamente uma nova visão dos catadores na sociedade. Hoje, quem se depara com um catador de papel da ASMARE encontra um trabalhador vestido com uniforme padrão, trazendo nele o nome da associação, usando carrinho de madeira pintado de forma padrão e que leva também a logomarca da associação, além de não vê-los abrindo lixos na rua. O lixo é recolhido e somente pode ser aberto e separado dentro da ASMARE. O trabalho deles é garantido por lei e eles podem dividir a participação no processo de reciclagem com os órgãos públicos e empresas privadas sem a necessidade de licitação.
Todas as conquistas foram resultado de um longo trabalho. Segundo Maurício, o que recebem pelo trabalho desenvolvido “ainda é pouco!”.12 A prefeitura de Belo Horizonte construiu o galpão da ASMARE, paga as contas de água, luz e telefone, além de disponibilizar caminhões e funcionários, porém o único benefício que assiste aos catadores de papel é o vale-transporte. Assim, o catador de papel ainda não recebe os mesmos benefícios que os trabalhadores que estão sob a C.L.T. (Consolidação das Leis do Trabalho) ou sob regime estatutário. Há muito ainda para se conquistar, no entanto, muito já fora conquistado e o esboço da identidade pretendida pelos catadores de papel de Belo Horizonte já é percebido pela sociedade. Além disso, esses catadores já refletem essa nova identidade ao “pintarem” um novo auto-retrato: “Hoje, eu sou um catador ambiental” (Maurício).13


REFERÊNCIAS

BOVE, Maria Cristina. Atuação: Pastoral de Rua, 2010. Disponível em http://www.arquidiocesebh.org.br/site/atuação.php?id=91 acesso em 13/09/2010.

CURY, Augusto Jorge. 12 semanas para mudar uma vida. 14. ed. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

CURY, Augusto Jorge. Inteligência multifocal: análise da construção dos pensamentos e da formação de pensadores. 8. ed. rev. — São Paulo: Editora Cultrix, 2006.

FREITAS, Maria Vany de Oliveira. Entre ruas, lembranças e palavras: a trajetória dos catadores de papel em Belo Horizonte. – Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2005.

MARTINS, Liliane. Asmare recicla vidas com o lixo, 2007. Disponível em http://www.atosimagens.com.br/noticias/asmare.htm acesso em 07/08/2010.

QUINTANEIRO, Tânia. Um toque de clássico: Marx, Durkheim e Weber / Tânia Quintaneiro, Maria Ligia de Oliveira Barbosa, Márcia Gardênia de Oliveira. – 2. ed. Revista e atualizada. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

1 DONA GERALDA, entrevista dia 16/11/2010.
2 DONA GERALDA, entrevista dia 16/11/2010.
3 MAURÍCIO, entrevista dia 16/11/2010.
4 Art. 331 do Código Penal Brasileiro.
5 MAURÍCIO, entrevista dia 16/11/2010.
6 ÍNDIO, entrevista dia 16/11/2010.
7 ÍNDIO, entrevista dia 16/11/2010.
8 DONA GERALDA, entrevista dia 16/11/2010.
9 DONA GERALDA, entrevista dia 16/11/2010.
10 ÍNDIO, entrevista dia 16/11/2010.
11 DONA GERALDA, entrevista dia 16/11/2010.
12 MAURÍCIO, entrevista dia 16/11/2010.
13 MAURÍCIO, entrevista dia 16/11/2010.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

CRENTES TEÓRICOS?!


É notório o crescimento dos interessados no estudo da teologia em nossos dias. Os seminários e faculdades teológicas têm se proliferado; na rede mundial de computadores, com uma rápida pesquisa, percebemos que o número de "debatedores" da doutrina é cada vez maior.

Os que têm discutido com tanta paixão têm experimentado um crescimento em santidade decorrente do conhecimento bíblico que professam?

São arminianos, calvinistas, liberais, dispensacionalistas, carismáticos, pentecostais, cada um defendendo o seu ponto de vista com veemência.
Em princípio, esse quadro deveria nos causar alegria, afinal de contas é muito bom ver pessoas interessadas nas Escrituras e debatendo sobre a Palavra.
Há um perigo muito grande em tornar a doutrina um fim em si mesmo. Há na Palavra de Deus advertências sérias quanto a isso. Na epístola de Tiago, a ordem é para que os crentes sejam praticantes da Palavra e não somente ouvintes, pois os que são simplesmente ouvintes enganam-se a si mesmos (Tg 1:22). Em seu ministério, o Senhor Jesus repreendeu incontáveis vezes os escribas e fariseus, chamando-os de hipócritas, justamente por falarem e não fazerem.

Ele chegou a ensinar a multidão, com respeito aos fariseus, da seguinte maneira "Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem" (Mt 23:3).

Eis aí o retrato de um "crente" teórico. É aquele que tem a doutrina na ponta da língua, muitas vezes decora vários versículos bíblicos, é capaz de discorrer com propriedade sobre as doutrinas mais complexas, mas não a vive no seu dia-a-dia. Esse tipo de pessoa, como afirma Tiago, engana-se a si mesmo, pois, como bem afirma John Blanchard, "o crescimento cristão requer mais do que conhecimento da Bíblia; ninguém jamais se alimentou decorando cardápios".

Há, no Novo Testamento, uma igreja que foi elogiada pelo Senhor Jesus pelo seu conhecimento doutrinário. O Senhor chega a afirmar que aqueles crentes colocaram à prova os falsos mestres que se declaravam apóstolos e os acharam mentirosos (Ap 22:1-4). Pelo visto, aqueles irmãos eram bastante preparados no que diz respeito ao conhecimento doutrinário, contudo, Jesus os repreende dizendo que haviam abandonado o primeiro amor.

Infelizmente, isso é mais comum do que se imagina. Mesmo dentro de nossas igrejas, temos membros que foram doutrinados dede a tenra idade, que frequentam regularmente os cultos, mas por mero costume. A doutrina não tem efeito pŕatico em suas vidas e eles demontstram que, à semelhança dos crentes de Éfeso, deixaram o primeiro amor.

Devemos ter muito cuidado para não sermos meramente religiosos e também para não cairmos na cilada de colocar o amor à doutrina à frente do amor ao Senhor, pois fazer isso é incorrer na quebra do primento mandamento (Ex 20:3).

É claro que só se pode amar ao Senhor tendo um conhecimento correto de Sua Palavra, mas nem sempre conhecimento teológico é sinônimo de piedade e amor ao Senhor. 

Fujamos, portanto, do farisaísmo procurando conhecer profundamente as Escrituras, mas com a finalidade de amar e honrar, pela sua prática, o Salvador.

Autora: Gê Pratez
Texto ministrado na Célula dos Artistas da Igreja Batista da Lagoinha
Encontro do dia 29/10/2011

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

GAITA E VIOLÃO - MAURO VIEIRA

Música: Freie
Autor: Mauro Vieira
Apresentação desta música na II Mostra Cultural do curso de História da Unibh.
 


Freie
'Cê vai cair

Oh, baby, freie
Esta estrada eu já vi

Oh, baby, freie
Que, no final, 'cê não vai curtir


Foi ótimo, apesar do nervosismo! kkkkk
Abração aos historiadores!!!

www.myspace.com/maurovieira

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Resenha do filme: A Rainha Margot


A Rainha Margot 
(La Reine Margot)

1572. No castelo de Louvre, na França, o Rei de Navarra, Henrique de Bourbon, casa-se com  Marguerite de Valois, futura rainha Margot. Entretanto, o casamento arquitetado pela mãe, Catarina de Médicis, e feito para alcançar a paz na França desemboca em um massacre de protestantes, conhecido como a “Noite de São Bartolomeu”, por causa da tentativa de assassinato do Almirante Coligny, um protestante que exercia forte influência sobre o rei católico da época, Carlos IX. Prostituição, adultério e incesto temperam as diversas traições que resultaram em várias mortes pela espada ou por envenenamento, na busca pelas rédeas do poder na França. A oposição entre católicos e protestantes está presente em todo o filme, além do romance entre Margot e La Môle.
A obra foi produzida em 1994 e dirigida por Patrice Chéreau, segundo o romance de Alexandre Dumas, e conta com Isabelle Adjani (Margot), Daniel Auteuil (Henrique de Borubon), Jean-Hugues Anglade (Carlos IX), Vincent Perez (La Môle) e Virna Lisi (Catarina de Médicis) como atores principais. Além do filme, as atrizes Isabelle Adjani e Virna Lisi receberam vários prêmios e indicações.

  
Referências

CHÉREAU, Patrice. A Rainha Margot (La Reine Margot).  Alemanha, França e Itália: Miramax Filmes, 139 min., 1994.


Mauro Vieira
(Trabalho apresentado à Uni-bh como requisito à aprovação em História Moderna)


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Megaupload - tamanho 417 Mb

Morena perdida


Tempos serenos recordo
O canto da gaita ouvia
Do sonho mais belo acordo
Do tempo em que 'inda vivia

Desfaz, de dia, a lembrança
À noite, se abre a ferida
Do pranto renasce a esperança
De tua volta, morena perdida

Sou eu quem sofre tua falta
Teu corpo, meu corpo requer
Meu choro, que faz maré alta

Exclama "Se a vida me der..."
Meu corpo moreno ressalta
"Sofro tanto por ti, mulher!"

Mauro Vieira

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Jazidas de tristeza

Há um acervo escondido,
Às vezes inacessível
Que, mesmo solitário,
É um ponto fecundo do ser.

Nele nasce a sede
Ou o vazio consumidor
Como algo que, de fato,
Existe, mas está sempre ausente.

Esta necessidade tem gosto
E aroma de uma falta do que foi,
De uma relação que era
E já não é.

Coração menino quer ser aceito
E teme o reencontro porque
Da frustração tem receio
Sua esperança com temor se debate.

Aflito, teme a vergonha
De gritar "Deus!" ao horizonte
E sofrer o silêncio
Que previamente desconfiou.

Mas, algo lhe espeta:
Esperança e desconfiança
De que um dia, ao horizonte,
Deus também lhe chamou.

Nesse abismo deixado
Pela ausência da outra parte,
De Deus nesse relacionamento,
Encontram-se jazidas de tristeza.

sábado, 17 de setembro de 2011

Meu barquinho




Vi que muita coisa confunde
Mesmo que não afunde nossos sonhos

Ainda que a demora adultere
Espero que não altere nossos objetivos

Queria, antes, o sucesso reter
Que ter que prometer novas venturas

Mas, prefiro as queixas que ouço
Que um livre calabouço, sem expectativas futuras

Espinhos massageiam meu ego
E não nego que queria mais pouquinho

Aprovado, me vejo com boa média
Nesta comédia de vitórias e triunfos

Desconfiado, persigo esta pista
Da conquista de um futuro sonhado

Deixando escapar o presente, que é este dia
Este dia, que é um presente
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